Imenso vazio
Imensidão. O vazio.
Ensurdece, o silêncio.
E tudo ali, trancado. Mesmo houvesse balbúrdia, não há quem escute.
Retorna o silêncio.
E a mente, surda, nem mais o percebe.
Imensidão. O vazio.
Ensurdece, o silêncio.
E tudo ali, trancado. Mesmo houvesse balbúrdia, não há quem escute.
Retorna o silêncio.
E a mente, surda, nem mais o percebe.
Sim, eu sou fraca, frágil e eu me machuco com uma facilidade imensa.
Não posso negar que ainda não doa, porque dói sim. Bastante. Mas se há algo que aprendi com o fato de ser fraca, é que os outros são mais fortes, se recompõem mais facilmente e, assim sendo, a minha dor aos outros incomoda.
Aprendi então a me metamorfosear e sigo o padrão seguido pelos demais. Se a dor é pequena, demonstro-a como se assim a minha também fosse; se as falas são lacônicas, fecho a boca e nada digo; se fogem de mim, me escondo dentro de mim mesma.
Eu não queria passar por isso mais uma vez; eu não precisava...
Mas sua indignação frente ao meu comportamento de não querer me machucar foram por mim compreendidos e neles você encontrou o meu apoio, o meu peito literalmente aberto e disposto a confortá-lo. E eu te pedi, não poucas vezes!, para não insistir.
Eu sabia que isso iria acontecer; eu sabia que eu iria chorar muito; ia me ver de novo sozinha.
Eu não precisava disso!
Depois de tudo, tornei-me uma estranha, do outro lado da rua.
É completamente dizível. Em palavras escritas ou faladas.
É um conceito já estruturado: sei-o de cor. Assim mesmo; redundante.
E é um pleonasmo dentro também de mim; um excesso que só quer transbordar.
Mas há que ficar preso.
Preso não por ser inefável: preso pela impossibilidade de que queira ouvir o interlocutor pretendido.
“Eu não entendo direito o porquê, mas já tem uns dias que toda vez que meu pai chega em casa depois da roça minha mãe e ele conversam até bem depois que a gente tudo já foi pra cama. Falam com voz baixa e às vezes minha mãe chora. Chora baixinho também. E enxuga a cara com o pano de prato. Acho que ela não quer que ninguém perceba. Mas eu vejo! Lá da minha cama, eu vejo que o rosto dela tá diferente, o olho vermelho. Não tem como não perceber. É que a Joana e o Miguel são pequenos, mas eu já tenho 10 anos e vejo essas coisas.”
E a mãe dela chorava, sim, todos os dias, quando o marido chegava da roça e contava que o milho não pendoava por falta de chuva na época certa, que o arroz do paiol tinha carunchado, que as vacas estavam cada vez mais magras sem grama nova.
Até que a mãe contou: “Filha, nós vamos embora. Seu pai falou com o Bastião. Tem lugar bom pra trabalhar lá em Minas. Vamos pra lá. É longe.”
“Não deu nem um dia inteirinho e as trouxas tavam feitas. Meu pai pegou uns sacos lá na mercearia e a mãe colocou as panelas em um e nossas roupas no outro. As roupas boa, falou a mãe, vão no corpo mesmo.”
E foram. Com roupa de missa. Entraram no ônibus e o cheiro de viagem inebriou a imaginação daquelas crianças que nunca tinham ido além das cercas da fazenda vizinha. Com um doce na boca, a alegria deles era imensa. Pai e mãe não iam tão animados. Susto, talvez, fosse a expressão no rosto deles. Era tudo novo, era um mundo novo, era uma vida nova. E o ônibus nem tinha deixado a rodoviária.
Escolheu Radiohead como trilha sonora de sua vida. Dentre todas, “Black star”.
Estava certo de que era a sua música; a que mostrava a todos o que era a sua vida: não só como ele mesmo percebia sua vida, mas como ela era; de fato.
Vez por outra, esquecia a tristeza; e um sorriso tímido aparecia torto no canto dos lábios, desacostumado que estava de se fazer ver.
Todos os dias eram a repetição do anterior: despertador, café, água no rosto, dentes escovados e rua. Não via razão em seu trabalho, embora continuasse a fazê-lo dia após outro.
Na grande companhia de desenvolvimento de softwares, sabia-se mais um entre tantos; mais um entre as dezenas de rapazes na casa dos vinte, com cabelos desgrenhados e casaco de moletom, a subir até o sexto andar, se sentar em uma pequena mesa e lá passar o dia na mesa acessando sites de clientes e alterando o possível para torná-los mais seguros.
Naquela noite, ao descer as escadas até a calçada, avistou alguns dos colegas de trabalho em uma mesa do bar em frente. Ao ouvir seu nome, polidamente, acenou com a cabeça. Mas aquele amigo que sentava sempre duas mesas após a sua e levantava com certa frequência para a máquina de café ao seu lado gritou seu nome e insistiu para que ele chegasse mais próximo.
Sem pensar, cruzou a rua e, quando percebeu, já estava no terceiro chope.
O sabor amargo e o frescor em contraste com o calor que sentira o dia todo mesmo que o ar condicionado estivesse ligado fizeram-no deixar-se esquecer das horas.
Conversaram, riram e, quando nem pensavam em ir embora, o rapaz que os atendia trouxe a conta e o pedido que a pagassem, pois “já passa da hora, tenho que fechar”.
Já eram mesmo só os dois e a fala não saia mais de modo conexo de suas bocas.
Pegaram o metrô juntos. Tanta cerveja tinha deixado seu amigo com sono. Sem poder segurar as pálpebras, o colega recostou a cabeça e, no balanço do vagão, aos poucos, ela tocou seu ombro. Sentiu o cheiro de couro cabeludo suado. E também do cigarro que fumaram minutos atrás.
Quando o trem chegou à estação final, percebeu que já passara a sua há tempos.
O amigo acordou com o aviso sonoro de fim de linha e desceu ainda zonzo, sem se despedir direito. Tomou as escadas rolantes e seu corpo, na altura do teto, foi-se apagando da cabeça aos pés, lentamente.
Na volta do trem, desceu e caminhou até em casa.
Um sorriso tranquilo, timidamente feliz, acompanhava o boa noite ao porteiro.