Ça n'est pas vrai!

6.7.06

Encontro

Lembrou-se dos diversos telefonemas não-atendidos, das desculpas que ele dava ordens à mãe para contar. Foram algumas semanas seguidas em que ela tentou contato deixando recados na secretária eletrônica. Ele não retornou nenhum, nem respondeu a e-mails em que ela pedia para se encontrarem para um café e alguns instantes de conversa. A verdade é que, enquanto ela tentava falar com ele, também fazia um mês que ele tentava esquecer o fim triste e inesperado do namoro. Relacionamento este a que ela mesma pôs um fim, dizendo fazê-lo a contragosto e por não conseguir ficar ao lado de alguém que já não gostava dela como seria necessário.
Lembrou-se disso enquanto se encaminhava para o caixa da livraria e a viu logo a sua frente com alguns CDs e livros em mãos, tirando a carteira da bolsa.
Parou por uns segundos decidindo o que falaria. Pensou primeiro em chamá-la “Isabel! Há quanto tempo! Como está?”, mas logo afastou a idéia da cabeça.
Tinha já quase seis anos desde o rompimento. Quase seis anos, e desde aquela data nunca mais tinham se visto. Seria, então, estranho demonstrar tanta familiaridade ainda.
Ela continuava bonita como dela se lembrava.
Resolveu ir ao encontro dela. Ensaiou um simples “oi, como está”, quando uma menina, vindo do setor de revistas, foi mais ágil, agarrou-a pelas mãos, pedindo “mãe, compra estas figurinhas”.

Percebeu que a vida havia passado. Notou que ela tinha se casado e que era mãe.

A fila andou e se aproximaram. Ela ainda sem vê-lo, faltou a ele a coragem para conversar, mesmo quando a menina deixou a mãe para ver outras revistinhas. Quando Isabel terminou de pagar e voltava a carteira na bolsa, sacolas na mão, virou-se e percebeu-o ali.
Ele não saberia dizer, mais tarde, qual reação ela verdadeiramente tivera, mas foi possível perceber um olhar surpreso.
O coração dela bateu mais forte diante do rosto que não esperava encontrar ali e sentiu-se empalidecer. Lembrou-se, então, do namoro e do namorado aos quais teve de abdicar por perceber que não mais dela gostava. Veio-lhe à memória o sofrimento passado nos dias que seguiram ao fim; lembrou-se também das tentativas de com ele conversar e poder contar-lhe o porquê de toda sua aflição naqueles dias. Passou as mãos pelos cabelos, ajeitando-os e tirando a franja dos olhos.
Sempre tivera ela este hábito e ele sempre soube tratar de uma espécie de tique manifestado em momentos nos quais ela não tinha a menor idéia do que fazer, o que dizer, como se comportar.

Olharam-se quietos, e seria clichê demais dizer que aquele olhar durou a eles uma infinidade, mas, de fato, pareceu-lhes.
Nem um nem outro queria reencontrar a antiga companhia. Podem até pensar que não estavam preparados para tal encontro, que ficariam encabulados em se verem depois de tanto tempo, mas a verdade é só que não queriam mais se ver.
Ele, não quisera mais. Logo que deixaram de ser namorados e ele começou a sair com tantas outras moças, não quis mais rever aquela mulher com quem pensou que se casaria e a qual, um dia, percebeu não mais amar. Ela perdera a vontade há tanto tempo que nem sabe mais quando; talvez tivesse sido logo depois das inúmeras tentativas de não pensar mais nele.
Mas agora não adiantava nada. Estavam a menos de um metro um do outro, não havia onde esconder, o que disfarçar.
Cumprimentaram-se. Ele disse que não imaginava encontrá-la ali. Havia se mudado? Não morava mais no Centro? E Isabel respondeu que sim, que há mais de três anos não morava mais no centro, mas no apartamento do marido, a menos de duas quadras da livraria. E você, César? E ele também morava ali perto, aliás, trabalhava também ali no bairro: abrira um pequeno escritório tempos atrás e, agora, já tinha vários clientes e precisara até contratar três outros advogados, e mesmo estagiários.
Já não tinham mais o que falar quando ele disse que havia visto a filha dela. Linda menina. Muita parecida com você, os cabelos claros e lisos, os olhos vivos. Percebeu-a mexendo novamente nos cabelos. Pensou que ela ainda não havia se acostumado a receber elogios, a ouvir dizerem-lhe que era bonita.

Estavam quase se despedindo e a menina voltou. Vinha junto com um homem. Foram apresentados. Este é meu marido, meu querido João; César é um velho amigo, nos conhecemos ainda na faculdade; e o marido sugeriu um café e alguns momentos mais de conversa.

Comentaram banalidades da capa dos jornais expostos ao lado, conversaram sobre os empregos, o que estavam fazendo, riram, os dois homens, da absurda convocação argentina para o próximo jogo contra o Brasil. Enquanto isso, mãe e filha organizavam em ordem crescente as figurinhas a serem coladas no álbum recém-comprado.
João disse não lembrar de César na festa do casamento, e ela, rápida, respondeu que não se viam mesmo há muito tempo, e que, desde então, não tinha o endereço dele para enviar o convite.
Os dois homens pareciam velhos conhecidos distraídos e animados que estavam na conversa, e a menina, atrapalhando-se com um pacote de figurinhas, pediu ao amigo uma ajuda para abri-lo.
Conversaram, César e a menina, por alguns segundos. Contou-lhe que ele mesmo preenchera vários álbuns quando ainda era garoto, da idade dela; e ela contou que faria cinco anos na próxima semana e ele poderia ir à festa. Cinco anos, ela disse, uma mão cheia de aniversários!

Ao terminarem o café, César se levantou, disse que precisava ir. Estava tarde e ainda tinha que fazer supermercado. A menina juntou as figurinhas repetidas e perguntou se ele não as queria levar para sua filha, mas o amigo da mãe, enquanto voltava-se para o casal a fim de se despedir, disse à menina que não tinha filhos. Mais uma vez, Isabel ajeitou, encabulada, o cabelo; e ele achou ter percebido marejados os bonitos olhos da ex-namorada.