Ça n'est pas vrai!

22.5.06

Um ano e cinco meses

Tocou o telefone. Estava no colo dela e, de imediato, viu quem era. Sentiu a cabeça gelar, as mãos a suar e ficou sem saber, ao certo, o que faria, achando tudo aquilo uma sucessão de coisas estranhas.
Respirou e disse alô. Quis fazer voz formal, como se não soubesse de quem era o número que aparecia ali. É que havia dito a ele, em outra ocasião, já ter apagado seu número da agenda telefônica. Como se adiantasse... Havia decorado não só o número do telefone, mas dos sapatos, da pizzaria favorita; havia decorado o seu cheiro, a sua fala, seus olhares. Tentava esquecer, mas era mais forte do que qualquer esforço que dispensasse na tarefa. A verdade é que o amava; ainda. Podiam dizer o que fosse, mostrar-lhe por A mais B que ele nunca a havia considerado, que ele nunca havia ao menos reconhecido a mulher que ao lado dele estava. Nada disso adiantava; nem uma intervenção dos amigos, nem todo o carinho por eles demonstrado, nem todas as tentativas dela mesma em deletá-lo da memória. Amava-o, simplesmente.
A voz do outro lado da linha disse oi, sou eu. Era desnecessário dizer quem era. Ela já sabia quem era e, mesmo em não sabendo, conhecia cada pequena variação que aquela voz pudesse ter. Irracionalmente, animou-se com a saudação.
Conversaram banalidades por um bom tempo como se nunca tivessem deixado de se falar, como se a última ligação tivesse se passado há meia hora.
De repente, não tinham mais assunto a falar, embora tudo o que não faltasse fossem histórias para contar, coisas para conversar.
Antes de desligar ele disse, hoje tem um ano que a gente se reencontrou. E amanhã serão cinco meses que a gente não se vê.
Não sabe até agora porque ele disse isso: havia sofrido cada dia desde a ausência dele, havia contabilizado dores incontáveis. Respondeu que sabia e, na iminência do soluço, desligou o telefone após o tchau e o beijo.
Ainda com o telefone nas mãos, apagou a luz do quarto e chorou para ninguém, e nem mesmo por ele.
Chorou um choro abafado e silencioso para si mesma. Um choro de quem se surpreende com a possibilidade de ainda chorar.