Ça n'est pas vrai!

3.7.07

Comer

Não era do tipo de pessoa que se sentia embaraçado por sentar-se sozinho no restaurante. Aliás, restaurantes, padarias, churrascarias, lanchonetes, cantinas, sorveteiras, docerias, casa de sucos, botecos, cafés eram a extensão de sua casa. Conhecia cada garçom, cada chef, cada manobrista. E não era do tipo fiel: variar as opções e conhecer novos lugares era quase um esporte para ele.
Embora não se importasse de se aventurar sozinho, eram raras as ocasiões em que um amigo ou outro não o acompanhasse a estas incursões pelo mundo da alta, baixa, média, enfim, pelo mundo da gastronomia.
A verdade é que todos os amigos sabiam que Lima entendia de tudo quando o assunto era comer: desde qual vinho é melhor para se saborear um pato assado com brócolis até o melhor pão francês da cidade, passando pelo sanduíche de pernil mais barato e saboroso.
Podia dar pareceres precisos quanto à qualidade da comida e reconhecia o sabor de qualquer tempero, mesmo se coentro também tivesse sido adicionado ao molho.
Sabia-se ligeiramente acima do peso, mas era de boa genética e, com isso, mesmo cometendo exageros, nunca tivera barriga proeminente.
Ao contrário do que alguns pensavam, preocupava com a aparência e era mesmo capaz de pedir que um amigo que estivesse um pouco fora de forma ficasse só na salada.
Chegara mesmo a arrancar choros abafados, mas, em se tratando de comida, não conhecia pudor ou reservas socialmente desejáveis.
Fora isso, conhecia seus limites e ousava sempre ultrapassá-los, mas sabia também que sua habilidade não era para todos e, em notando a “fraqueza” da companhia, acabava o jantar antes da sobremesa e sentava-se, mais tarde, sozinho, no balcão de uma boa padaria para um strudel de maçã, um sonho e um café com pão de mel.

Tempos atrás, Lima foi convidado a jantar na casa de uma amiga. Moça calma e alegre, gostava de reunir os amigos sempre que podia para comerem e bater papo.
As reuniões não eram freqüentes e eram esperadas com ansiedade pelos amigos que a tomavam como ótima cozinheira.
Nosso herói nunca tinha ido a um destes jantares. Na verdade, era a primeira vez que o convidavam para uma destas reuniões. Aceitou o convite sem hesitar e, no sábado à noite, chegou pontualmente à casa da amiga.
Fartou-se de pequenas quiches de gorgonzola e pães com sardela, enquanto degustava um saboroso vinho branco.
Provou duas vezes a salada verde com pêras e mangas, temperada com vinagre balsâmico, shoyo e mel.
Comeu com boa boca a carne assada acompanhada de um fino arroz com castanhas e amêndoas.
Na sobremesa, tiramisu e torta de limão foram ambas degustadas.

Depois do jantar, voltaram todos para o sofá para boa conversa e o café.
Era o momento preferido da anfitriã: após ter fartado todos seus amigos com suas deliciosas receitas, recebia, com sorriso nos olhos e um orgulho desmedido, os elogios pelos deliciosos pratos. Era a hora coletar seus louros! Era, para ela, o clímax do encontro e ansiava por ele tão logo convidava cada um para o jantar.
Papo vai, papo vem, pediram ao Lima que desse seu aval foi os comes e bebes.

Disse ele que havia sido muito bem servido. Faltava um pouco de pimenta na sardela e a gorgonzola não era da melhor qualidade. A massa da quiche poderia ser mais fresca e as pêras estavam um pouco verdes. Algumas finas fatias de bacon sobre a carne teriam deixado-na mais macia, talvez até um pouquinho de rum no tempero. O tiramisu estava mais amargo do que gostava e o chantilly da torta não estava no ponto. “Mas o jantar estava uma delícia! Nunca comera arroz tão sequinho!”

Nem bem Lima acabara seu discurso, a anfitriã já recolhera as xícaras e, com as expressões cansadas e pesarosas, insinuava que era hora de irem embora.
Na segunda-feira, ninguém comentava o jantar.
Lima nunca mais foi convidado para outra reunião daquele grupo de amigos.

Para ele, mais que qualquer outra coisa, a vida era agridoce!