Ça n'est pas vrai!

5.6.09

A ida - parte 1

“Eu não entendo direito o porquê, mas já tem uns dias que toda vez que meu pai chega em casa depois da roça minha mãe e ele conversam até bem depois que a gente tudo já foi pra cama. Falam com voz baixa e às vezes minha mãe chora. Chora baixinho também.  E enxuga a cara com o pano de prato. Acho que ela não quer que ninguém perceba. Mas eu vejo! Lá da minha cama, eu vejo que o rosto dela tá diferente, o olho vermelho. Não tem como não perceber. É que a Joana e o Miguel são pequenos, mas eu já tenho 10 anos e vejo essas coisas.”

E a mãe dela chorava, sim, todos os dias, quando o marido chegava da roça e contava que o milho não pendoava por falta de chuva na época certa, que o arroz do paiol tinha carunchado, que as vacas estavam cada vez mais magras sem grama nova.

Até que a mãe contou: “Filha, nós vamos embora. Seu pai falou com o Bastião. Tem lugar bom pra trabalhar lá em Minas. Vamos pra lá. É longe.”

“Não deu nem um dia inteirinho e as trouxas tavam feitas. Meu pai pegou uns sacos lá na mercearia e a mãe colocou as panelas em um e nossas roupas no outro. As roupas boa, falou a mãe, vão no corpo mesmo.”

E foram. Com roupa de missa. Entraram no ônibus e o cheiro de viagem inebriou a imaginação daquelas crianças que nunca tinham ido além das cercas da fazenda vizinha. Com um doce na boca, a alegria deles era imensa. Pai e mãe não iam tão animados. Susto, talvez, fosse a expressão no rosto deles. Era tudo novo, era um mundo novo, era uma vida nova. E o ônibus nem tinha deixado a rodoviária.