No surprises
Escolheu Radiohead como trilha sonora de sua vida. Dentre todas, “Black star”.
Estava certo de que era a sua música; a que mostrava a todos o que era a sua vida: não só como ele mesmo percebia sua vida, mas como ela era; de fato.
Vez por outra, esquecia a tristeza; e um sorriso tímido aparecia torto no canto dos lábios, desacostumado que estava de se fazer ver.
Todos os dias eram a repetição do anterior: despertador, café, água no rosto, dentes escovados e rua. Não via razão em seu trabalho, embora continuasse a fazê-lo dia após outro.
Na grande companhia de desenvolvimento de softwares, sabia-se mais um entre tantos; mais um entre as dezenas de rapazes na casa dos vinte, com cabelos desgrenhados e casaco de moletom, a subir até o sexto andar, se sentar em uma pequena mesa e lá passar o dia na mesa acessando sites de clientes e alterando o possível para torná-los mais seguros.
Naquela noite, ao descer as escadas até a calçada, avistou alguns dos colegas de trabalho em uma mesa do bar em frente. Ao ouvir seu nome, polidamente, acenou com a cabeça. Mas aquele amigo que sentava sempre duas mesas após a sua e levantava com certa frequência para a máquina de café ao seu lado gritou seu nome e insistiu para que ele chegasse mais próximo.
Sem pensar, cruzou a rua e, quando percebeu, já estava no terceiro chope.
O sabor amargo e o frescor em contraste com o calor que sentira o dia todo mesmo que o ar condicionado estivesse ligado fizeram-no deixar-se esquecer das horas.
Conversaram, riram e, quando nem pensavam em ir embora, o rapaz que os atendia trouxe a conta e o pedido que a pagassem, pois “já passa da hora, tenho que fechar”.
Já eram mesmo só os dois e a fala não saia mais de modo conexo de suas bocas.
Pegaram o metrô juntos. Tanta cerveja tinha deixado seu amigo com sono. Sem poder segurar as pálpebras, o colega recostou a cabeça e, no balanço do vagão, aos poucos, ela tocou seu ombro. Sentiu o cheiro de couro cabeludo suado. E também do cigarro que fumaram minutos atrás.
Quando o trem chegou à estação final, percebeu que já passara a sua há tempos.
O amigo acordou com o aviso sonoro de fim de linha e desceu ainda zonzo, sem se despedir direito. Tomou as escadas rolantes e seu corpo, na altura do teto, foi-se apagando da cabeça aos pés, lentamente.
Na volta do trem, desceu e caminhou até em casa.
Um sorriso tranquilo, timidamente feliz, acompanhava o boa noite ao porteiro.